MANIFESTO
Minha vó Altina dizia que “pobre e preto vive de teimoso”. Concordo com ela. A gente quer viver e isso exige teimosia. Especialmente para uma sujeita como eu: mulher negra, travesti, intersexo, vivendo com HIV, da periferia de São Paulo, candomblecista filha de Ossain e Yansã e trabalhadora do SUS.
Desde muito nova, aprendi que essa sociedade nos quer mortas. Seja a morte do corpo, seja a morte da alma, a morte simbólica de não estar representada nos espaços de poder. Aprendi que um corpo travesti negro como o meu, tão desejado nas esquinas da noite, é o mesmo rejeitado sob a luz do dia nas grandes avenidas.
Há 4 anos, o PSOL elegeu, pela primeira vez, travestis para a Câmara de São Paulo. E elegeu a primeira parlamentar intersexo num mandato coletivo, sendo eu a única nascida com aspectos biológicos dos dois sexos, parlamentar na América do Sul. Em todo o Brasil, foram 30 pessoas trans eleitas em 2020. Nós brilhamos! Esse passo tem mudado a história da nossa população, mas não só. Como diz Angela Davis, “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Esse ano temos a oportunidade de mostrar que viemos para ficar, no centro das decisões, fazendo política em primeira pessoa. É preciso ter uma travesti intersexo e negra na Câmara de São Paulo
São Paulo pode ser melhor! Armário nunca mais!
Precisamos construir outro futuro para a nossa cidade, que seja de todes. São Paulo é a capital das LGBTI+, abrigo da maior parada do mundo. É o destino de milhares de jovens, muitas expulsas e expulsos de casa, que vêm de suas cidades para cá, com o sonho de viver exatamente aquilo que são. Ainda assim, temos de conviver com violências, falta de oportunidades. Nós sabemos o que é procurar uma médica no hospital e não ter. Procurar um remédio no posto e não encontrar. Tentar estudar e não poder. Procurar trabalho e não conseguir. Bater na porta e não ser recebida, simplesmente por não sermos a norma que a sociedade espera de nós.
São Paulo também é a cidade mais rica do Brasil. Mesmo assim, a maior parte da população tem de enfrentar péssimas condições de trabalho, moradia e transporte. São milhares de pessoas sem casa, jogadas no olho da rua. Já são 66 mil pessoas em situação de rua nesta cidade, sofrendo racismo, LGBTfobia, com fome! Travestis sendo espancadas e transmasculinos invisibilizados em seus direitos ao corpo, saúde, trabalho e reprodução.
No céu dessa que é a maior e mais incrível cidade da América Latina circula a maior frota de helicópteros por cidades do mundo, com muitos milionários, enquanto nós nos apertamos no metrô e no busão lotados. São Paulo pode ser melhor. São Paulo pode arrasar. Para isso, é preciso enfrentar a profunda desigualdade social que impera nessa cidade. São Paulo precisa ser salva daqueles que vivem de buscar privilégios pessoais, privilégios de classe, de cor de pele (branca), de local de moradia.
Colorir a Câmara de Vereadores
Em 2022, tiramos Bolsonaro da cadeira da Presidência. Nestas eleições, temos a tarefa de derrotar o bolsonarismo em nossa cidade. Eleger Boulos é fundamental. O que está em jogo neste ano não é apenas uma eleição, mas tirar São Paulo do buraco, resgatar a esperança e criar as condições de derrotar o bolsonarismo de uma vez por todas.
Mas não basta eleger Boulos e Marta para a Prefeitura. Assim como em Brasília, sabemos que aqui precisamos ter maioria na Câmara, para termos força de revogar os retrocessos e fazer nossas pautas avançarem. Sabemos do ódio que os bolsonaristas têm, especialmente contra nós mulheres trans e travestis. Que sejamos nós também a vanguarda da vitória da democracia. Não se reconstrói um país, se defende a democracia ou salva uma cidade sem pessoas trans, sem o brilho das LGBTI+, sem a força das mulheres negras. Precisamos de uma bancada do nosso povo, com a nossa cara, de todas as cores.
É preciso coragem
Ewè Asá. Eparrey Oyá.
Vivemos um tempo de caos. São muitas as crises aqui e em todo o mundo. É tempo de guerras e genocídios. Tempo de eventos climáticos extremos e suas consequências especialmente contra o povo negro, indígena e pobre. Tempo de ameaças à democracia e de golpes. Tempo de crises econômicas e aprofundamento de desigualdades.
Mas também é tempo de TRANSformações e fim de explorações com os ventos fortes de Iansã. É tempo de cura do planeta e das opressões com as folhas e o ecossistema de Ossain. Vai ter atraque de Iansã, como aprendi no pajubá das travas, mas também vai ter fervo Odara e cura! É tempo de ter os pés firmes no chão e os olhos no futuro ecossocialista. E para transformar a sociedade é preciso coragem. Nós, mulheres negras na política, somos sementes de Marielle Franco. E sabemos o que é lutar todos os dias contra a violência política.
Este ano São Paulo tem a chance de reafirmar que a política também é lugar de travesti negra. Viemos pra ficar a expandir nossa presença. Junta de muitas manas vamos construir um projeto de transformação radical da nossa cidade, com coragem para enfrentar os retrocessos. É isso o que a pré-candidatura de Carol Iara vereadora representa e chamamos você a construir esse movimento conosco.